Tim Edensor and Mark Jayne (eds.) (2012)
Oxon and New York: Routledge, 382 p.
Resenhado por Leo Pascuti
Lateinamerika-Institut, Freie Universität Berlin
Urban Theory Beyond the West é uma compilação interdisciplinar de textos de vinte e um autores de diferentes partes do globo – os quais grande maioria ligados a instituições de ensino de nível superior – que possui como proposta inicial a discussão de teorias, planejamento e imaginário relativo a espaços urbanos singulares e excluídos do que se diz hoje o West, ou mais popularmente o “Ocidente”, não só como espaço físico mas também como centro de produção de conhecimento. O livro está dividido em quatro partes que contém entre quatro e seis capítulos cada uma. Essas partes são respectivamente: 1. Descentralizando a cidade; 2. Ordem/desordem; 3. Mobilidades; 4. Imaginários. Ainda que não seja uma compilação endereçada a leitores com nenhum ou pouco contato com o objeto de estudo e corpo teórico, (vide a complexidade teórica da abordagem) favorece o leitor ao perseguir seu próprio objetivo ambicioso: criar uma alternativa aos modos de compreensão de espaços particulares através do rompimento com as tradições Européias e Estado-Unidenses.
As propostas dos organizadores são primeiramente, discutir
recentes avanços nas investigações contemporâneas relacionadas à
cidades ao redor do mundo e, segundo – muito mais audacioso –
criar um ponto de partida para uma “re- imaginação” das teorias
urbanas que vão além daquelas produzidas pelo “Ocidente”. Os
estudos urbanos foram dominados por, predominantemente, teorias
ocidentais que criaram a partir de si mesmas perspectivas e
afirmações que condicionaram todo um corpo de investigadores no
“Oriente” a partir de propostas já preestabelecidas em espaços
“ocidentais”.
Sem sombra de dúvidas, as novas investigações estão bem
representadas no livro a exemplo de textos que tratam de forma
crítica a noção de “pós-socialismo” e estudos sobre o imaginário
em cidades na América Latina, ainda que algumas discussões,
principalmente relativas ao continente asiático, ainda insistam na
importância da consideração do Estado para a compreensão do
espaço, algo já bastante explorado pelas Ciências Sociais em
geral. Quanto ao segundo objetivo, ele é parcialmente alcançado: a
coletânea de textos rompe com propostas ocidentais na forma de
compreensão da cidade e da vida urbana, - principalmente propostas
centro- européias e norte-americanas – instigando a compreensão do
espaço geo-político através de teorias pós-coloniais, a exemplo de
Jennifer Robinson e Dipesh Chakrabarty. Porém a crítica ao segundo
objetivo dos autores está relacionada à própria atualidade dos
estudos pós-coloniais e sua aplicação em espaços urbanos “não
ocidentais” mas de “projeção ocidental”. Nessa direção, grande
parte dos artigos buscam em teorias ocidentais a motivação da
discussão sobre a particularidade, o que torna a compilação num
campo de batalhas produtivas ainda que, nesse caso, a volta ao
“Ocidente” seja quase que uma prerrogativa.
Com relação à produção sobre América Latina, seis dos dezenove
artigos tratam diretamente centros urbanos da região. Mais uma
vez, a atenção está direcionada às grandes cidades – com exceção
do artigo de Christina M. Jiménez que trata a transformação do
projeto urbanístico de Morelia no México – como Buenos Aires,
Manágua, Rio de Janeiro e Santiago.
O artigo de Nora Libertun de Duren trabalha com um paralelo entre
dois projetos urbanísticos de parques – o Central Park e o Jockey
Club de San Isidro – nas cidades de Nova Iorque e Buenos Aires
mostrando como a diferença de uma elite industrial e uma elite
agrária respectivamente, interferiram diretamente nos processos
urbanísticos e governamentais de ambas as cidades em seus momentos
de explosão populacional ocasionada pelas imigrações do fim do
século XIX e início do século XX. Enquanto a criação do parque
novaiorquino está relacionada à prevenção de manifestações
operárias, o jockei bonairense oferecia conforto e luxo para que a
elite rural do país seguisse contribuindo para a formação da Nação
argentina. Dois projetos distintos e fadados ao fracasso pela
premissa de serem projetos urbanísticos destinados ao interesse de
classes dominantes. Numa direção oposta, o artigo de Denis Rodgers
analisa a capital Manágua como atriz fundamental no processo de
formação política e econômica do período pós- revolucionário em
Nicarágua, justificando como o desenvolvimento da cidade pode ser
muito mais definido como patologia do que como progresso, como
afirma Charles Tilly (1994) no caso de cidades européias. Seguindo
a linha de muitos outros textos da coletânea o autor define a
dinâmica da generalização exatamente na importância do princípio
de univocidade ocasionado por contextos específicos.
No artigo de Christina M. Jiménez, a autora trata processos de
modernização na América Latina utilizando como exemplo a cidade de
Morelia no México e mostrando processos de negociação do espaço
urbano e no espaço urbano relativos à “modernidade”. O resultado
otimista revela a importância do espaço público (“Plaza”) como
espaço de criação de identidades, articulação de demandas e espaço
de negociação de classes distintas. De forma mais ampla, o artigo
faz uma crítica a modelos binários de divisão (tradicional x
moderno, nativo x estrangeiro) normalmente utilizados na
compreensão de espaços europeus e norte- americanos.
Jorge Inzulza-Contardo utiliza o bairro de Bellavista em
Santiago, Chile, como exemplo de processo de gentrificação que
questiona o modelo de análise de cidades européias e
norte-americanas que associam o término com o deslocamento da
classe operária; aumento do valor imobiliário; e a emergência de
um setor urbano pós-industrial. Opondo tal conceito de
gentrificação a conceitos como “la reconquista urbana” e
“renovación urbana” defende a importância da particularidade
latino-americana em planejamentos urbanos relacionados à ocupação
estética do bairro e ao papel de mecanismos de exclusão social
(ex. gated communities) na marginalização da cultura e
identidade do bairro.
O paradoxo entre a imagem da “favela carioca” como local de
cultura, diversidade e folclore nacionais (parte da propaganda
internacional do Brasil) e a disparidade econômica e violência
presentes no espaço, é o eixo central do artigo de Beatriz
Jaguaribe e Scott Salmon que utiliza o conceito de “realitiy
tours” para localizar as recentes mudanças na organização social
das favelas após a implantação de UPPs e o também recente desejo
do setor público e privado de inclusão da “Favela” na
reestruturação da imagem da “Cidade Maravilhosa”.
Os conflitos ecológicos latino-americanos estão representados no
artigo de Laura Shillington que analisa, através de dados
etnográficos, espaços urbanos marginalizados e sua influência na
questão sócio-ecológica da cidade de Manágua. O artigo ilustra a
interação de comunidades carentes com a natureza e a forma com a
qual essas comunidades mudam a própria natureza de seu espaço
doméstico de acordo com suas necessidades. Considerando as
mulheres como ponto central, a autora mostra as relações entre
natureza e gênero e instigando as relações entre público e privado
que contesta teorias baseadas em casos de estudo de cidades no
Ocidente entre eles Roger Keil (2003, 2005) e Karen J. Bakker
(2003)/Alex Loftus (2007) que possuem análises centradas na
produção e distribuição de recursos naturais.
Urban Theory Beyond the West é
um projeto ambicioso e bastante relevante para os estudos
relativos a espaços urbanos. Principalmente com relação à América
Latina, a proposta interdisciplinar e “pós- colonial” do projeto
pode incentivar avanços em pesquisas e a criação de grupos de
estudos relativos à temática proposta pelos organizadores; assim
como, também amplia o espaço à crítica de teorias universais no
intuito de propor uma nova compreensão através de
particularidades. Todavia, ainda que a proposta seja ir “mais além
do Ocidente”, grande parte dos artigos aproximam-se dessas teorias
ocidentais como forma de crítica à sua universalidade antes mesmo
de propor a discussão sobre a particularidade. O resultado pode
levar à compreensão de espaços marginalizados não na sua
particularidade e diferença, mas sim na sua interdependência com
conceitos preestabelecidos ainda que de forma crítica.