Editorial CROLAR 3 - versão portuguesa

 

 

Oscar Gabriel Vivallo Urra & Editorial Committee CROLAR

 

 

 

O continente americano possui uma ampla tradição de formas anticoloniais de resistência que se estabeleceram no período da conquista e que ressurgem durante os processos de independência. Mais recentemente, especialmente, no contexto dos tratados de livre comércio e no fortalecimento dos modelos neoliberais na região, os atores latinoamericanos foram um dos primeiros grupos a organizarem-se contra esses modelos e sua forma de exploração de recursos naturais e mão de obra. Além disso, opuseram-se também à dependência e a opressão baseadas em poderes tradicionais e às assimetrias do conhecimento. Mais tarde, em 1994, foram os zapatistas em Chiapas os mais proeminentes representantes e inspiradores de uma variedade significativa de outros processos sociais de resistência.

 

Desde essa perspectiva, pode-se encontrar uma ampla variedade de publicações sobre a temática “Resistência e Movimentos sociais”, tema central deste terceiro volume de CROLAR. Assim, a revista oferece como foco temático uma reflexão onde se analisam muitos movimentos sociais que na América Latina e na América do Norte adotaram a forma de protesto social, demonstrando um alto nível de organização. O foco de análise se centra em múltiplos movimentos, protestos e resistência social, os quais apresentam um eixo similar de questionamento político dirigido aos modelos neoliberais de desenvolvimento, assim como a concentração do poder econômico e político, suas causas e suas raízes históricas. Além da ampla experiência em lutas sociais na América Latina, o tema obteve maior atenção no ano de 2011, quando o mundo presenciou o surgimento de movimentos sociais, que podem ser listados desde o movimento “Occupy”, o movimento estudantil no Chile ou mesmo os indígenas de “le République” e os ativistas da chamada “primavera árabe”. Diante da crise econômica e da precarização do sistema social, esses atores expressaram importantes críticas aos modelos políticos e econômicos em diferentes partes do mundo.

 

É por isso que as resenhas deste terceiro volume de CROLAR constituem um importante recurso no debate crítico com relação às publicações mais recentes enfocadas (direta ou indiretamente) nos processos de resistência, assim como a origem e desenvolvimento de inúmeros movimentos sociais. Desde uma análise geral, Eleonora Rabinovich, Ana Lucía Magrini e Omar Rincón, integram em seu livro “Vamos a portarnos Mal” um conjunto de entrevistas, testemunhos e textos sobre as experiências de luta e mobilização social em diversos países latino americanos. Prevost Gary, Carlos Oliva Campos e Harry E. Vanden são os editores do livro “Social Movements and leftist Governments in Latin America: confrontation or cooptation?”, no qual buscam analisar a complexa relação entre os governos de esquerda e os movimentos sociais na América Latina. Da mesma forma, ainda que enfocado no debate acadêmico teórico, se comenta a tradução alemã de “Desobediencia Epistémica” de Walter Mignolo, onde os editores Tom Waibel e Jens Kastner intervêm em um debate acadêmico que propõe uma discussão ampla do debate sobre a descolonização. Suas posições sugerem estratégias para a descentralização do pensamento ocidental, com base numa reflexão crítica da interdependência entre “retórica e modernidade” e a “lógica colonial”

 

Mais além dos comentários sobre publicações de alcance teórico, que abordam de maneira geral a situação na América Latina, o terceiro volume de CROLAR inclui resenhas que sintetizam contribuições científicas no contexto do “nacional” e do “local”. No caso equatoriano, o livro de Marco Navas Alvear “Lo público Insurgente” analisa o processo equatoriano de 2005, denominado “Revuelta de los foragidos”. Desde uma perspectiva do público e propondo como instrumento analítico o conceito de “publicização”, procura estabelecer uma relação direta entre o fenômeno contencioso da revolta e a crise política no Equador.

 

O caso argentino é abordado no livro de Marina A Sitrin, “Everyday Revolutions - Horizontalism and Autonomy in Argentina”, onde a autora analisa a emergência dos novos movimentos sociais a partir da ruptura gerada pelo colapso da economia, a crise das dívidas estatais e o famoso “corralito”. Por outro lado, nos terrenos do discurso e da literatura são comentados os livros “La comuna de Buenos Aires. Relatos al Pie del 2001”, da escritora e ativista feminina Maria Moreno; e “La tendência materialista. Antologia crítica de la poesia de los años 90”, editado por Violeta Kesselman, Ana Mazzoni e Damián Selci. A grande aposta do primeiro consiste em revelar retrospectivamente a tensão discursiva com base na comoção econômica, política e social, as quais ajudaram a derrubar o modelo neoliberal argentino. O segundo se enfoca num grupo de poetas argentinos que recepcionou e canalizou - mediante a escrita - toda a desilusão que se estendia à juventude dos anos 90, com base na realidade que este país estava atravessando.

 

O livro de Nina Elsemann “Umkämpfte Erinnerungen: die Bedeutung lateinamerikanischer Erfahrungen für die spanische Geschichtspolitik nach Franco”, se centra por um lado nos vínculos entre a história política de Argentina e Chile e, por outro lado, no processo prolongado e controverso da transição na Espanha. Afirma que auge inesperado da cultura da memória na opinião pública espanhola não pode ser explicada somente pelas mudanças políticas internas a nível nacional, senão que também pelas transferências e traduções entre os debates na Espanha e aqueles que se desenvolveram em outras sociedades relacionadas com a cultura e a linguagem espanholas.

 

A realidade chilena é expressada nos livros de Hugo Fazio “Indignación causales económicas” e de Gabriel Salazar “Movimientos sociales en Chile”. Os dois primeiros possuem uma função preponderante nas mobilizações ocorridas no Chile durante o ano de 2011; o primeiro buscando as causas no campo sócio-econômico e na hegemonia do mercado, enquanto o segundo realiza um exame detalhado da história constitucional e social chilena, provando com sua análise um importante vazio na compreensão dos movimentos sociais no Chile.

 

Na seção “Clássicos”, recordamos a Paulo freire, com seu livro editado em 1969 “Extensão ou Comunicação? Sobre os profissionais e o conhecimento no diálogo de saberes”, no qual analisa o papel do conhecimento de profissionais e técnicos_as na mudança social, a partir da análise crítica da extensão rural como expansão unidirecional do conhecimento e invasão cultural. Comenta-se aqui sua noção de comunicação e de pedagogia liberadora, da missão do profissional em relação ao ser-natureza, ser-humano-tecnologia e conhecimento-natureza. Na reflexão de Freire é possível reconhecer a atualidade de suas idéias para incontáveis atores latino americanos, homens e mulheres, responsáveis por vincularem-se a movimentos sociais e a organização de cooperação campesina indígena, com o fim de impulsar estratégias de desenvolvimento sustentável, democráticas e associativas, que contribuam para a melhora da vida campesina e indígena, cuidar do ambiente natural e democratizar a vida rural, desde a participação de base.

 

Na seção “Intervenções”, se comentam dois livros que tematizam dois movimentos sociais distintos de grande impacto nos últimos anos. Por um lado, o livro de Alberto Mayol “No al lucro. De la crisis del modelo a la nueva era de la política” trata das mobilizações estudantis chilenas de 2011. Mayol realiza uma forte crítica ao modelo de desenvolvimento chileno, apresentando em seu trabalho o conceito controverso de “politização” para abordar uma nova trajetória sóciopolítica da sociedade chilena. por outro lado, o livro “Occupy! Die ersten Wochen in New York. Eine Dokumentation”, de Carla Blumenkranz consiste na tradução alemã de algumas das primeiras intervenções publicadas por ativistas do movimento “Occupy Wall Street”. O livro oferece o testemunho escrito do movimento americano de 2011, assim como a análise dos_as escritores_as que junto de vários intelectuais de esquerda como Slavoj Žižek contextualizam, analisam e fazem um prognóstico do protesto do denominado “99%”.

 

Finalmente, na seção “Debates atuais” é resenhado o livro “Democracy and the left. Social policy and inequality in Latei America”, de Evelyne Huber e John D. Stephens. Nesta publicação é avaliada a trajetória da política social latino americana desde o período da industrialização pelas substituições de importações até hoje, passando pela retração que caracterizou o período do Consenso de Washington. Comenta-se criticamente a idéia de que a redução dos índices de pobreza e desigualdade em contextos democráticos se constitui em argumentos para a aplicação de políticas sociais redistributivas por parte de governos de esquerda.

 

Por outro lado, a publicação “ Wealth, Health, and Democracy in East Asia and Latin America” de James McGuire, se situa a interseção entre a ciência política e a saúde pública. Ainda que parecesse transgredir o foco temático deste volume, aí estão reconhecidas as perspectivas de desenvolvimento como capacidades, onde o autor observa o desenvolvimento na capacidade de evitar a mortalidade prematura, em contextos específicos de políticas públicas e da política em si.

 

Por fim, “Resistência e Movimentos Sociais” constitui uma nova aposta de CROLAR por dialogar criticamente com as propostas acadêmicas e não-acadêmicas referidas a processos sociais contenciosos - presentes e passados - no contexto latino americano. Não cabe dúvida de que a riqueza das publicações apresentadas e suas respectivas resenhas oferecem uma multiplicidade de perspectivas analíticas e reflexivas. Essa é a satisfação que oferece o debate crítico: acoplar na dialética do dialogo o intercâmbio frutífero de olhares, com relação à capacidade dos povos para a resistência política e a mobilização social contra as articulações imbricadas do poder.