Eugenia Allier Montano & Emilio Crenzel (eds.) (2016)
Las luchas por la memoria en América Latina. Historia
reciente y violencia política.
Madrid: Ibero Americana Vervuert, 427 páginas.
Reseñado por Leonardo Pascuti
Katholische Universität Eichstätt-Ingolstadt
As diferentes iniciativas de cada Estado na tramitação de seu
passado violento recente, as peculiaridades históricas e suas
inúmeras abordagens acadêmicas e intelectuais e a diversidade de
atores envolvidos nas lutas pela memória mostram a importância da
experiência latino-americana para os chamados Memory Studies. Esse
conjunto de características é o ponto comum entre os artigos
presentes nessa compilação interdisciplinar. Trata-se, portanto, de
um livro valioso para especialistas em história contemporânea
latino-americana, assim como uma importante leitura para
universitários interessados na temática.
Coordenado pela historiadora Eugenia Allier Montano e pelo cientista
social Emilio Crenzel, “Las luchas por la memória en America Latina.
História reciente y violencia politica” é resultado do congresso
internacional “Memória, história e violência na América Latina”,
realizado em 2011 e organizado pelo projeto de pesquisa “Memorias
públicas del movimiento estudantil de 1968” da Universidade Nacional
Autônoma do México. Cabe ressaltar que essa é a segunda edição em
espanhol e que a compilação também possui tradução em língua
inglesa.
O trabalho é bastante denso e está composto por introdução, três
partes temáticas e uma breve biografia dos autores. Doze
contribuições individuais e coletivas somam o esforço de dezessete
historiadores, sociólogos, cientistas políticos e especialista na
região. Além de engajados na contextualização de períodos históricos
de distintos países latino americanos e sua vasta historiografia,
esses profissionais pretendem uma reconstrução da trajetória
memorialística de passados violentos recentes e ainda muito latentes
no presente.
A título introdutório, os organizadores apresentam o objetivo do
projeto e resumem brevemente as contribuições presentes na
publicação, além de localizar o leitor nas suas fronteiras teóricas
e metodológicas: uma compilação que se inscreve no campo da história
da memória e que retoma a memória vinculada ao espaço público e sua
relação com a história do tempo presente (14). Se, por um lado, a
forma transdisciplinar de interpelar a complexidade do assunto é
audaciosa, por outro é também ao mesmo tempo passível de críticas de
uma tradição historiográfica latino americana que privilegia os
acontecimentos políticos de longa data. Apesar de retomar discussões
importantes como as fronteiras entre memória e história, o papel
transnacional e unificador dos grupos defensores dos direitos
humanos e a transmissão da memória e da história através da mudança
de gerações, a introdução carece de uma explicação mais aprofundada
ou, pelo menos, mais unificadora sobre o conceito de violência
política, o que poderia explicar a ausência de textos relativos aos
casos de Venezuela, Bolívia e Equador, entre outros.
A primeira parte, “Ditaduras e regimes militares”, conta com cinco
artigos relativos à Argentina, Uruguai, Chile, Brasil e Paraguai. As
chamadas ditaduras do Cone Sul possuíam não apenas estratégias
comuns de repressão civil como o uso de tortura e os
desaparecimentos forçados, mas dentro de seu marco de construção de
memória, compartilharam de inúmeras similaridades que ofereceram
base exemplar para a construção de outras memórias do continente. O
papel dos partidos políticos; as iniciativas da Igreja Católica e de
grupos da sociedade civil que serviram como forma de denúncia contra
os regimes autoritários paralelamente ao restabelecimento da
democracia; as Comissões da Verdade de caráter punitivo e/ou
esclarecedor; assim como o multifacetado projeto “Nunca mais” são
pontos comuns entre os artigos desta seção, que apontam para
continuidades e rompimentos na cultura memorialística desses países.
Neste bloco, o artigo de Claudio Javier Barrientos (95) representa
um caso particular: o autor aborda o período que se estende dos
antecedentes do golpe militar à redemocratização no Chile e
desenvolve uma narrativa historiográfica onde a compreensão do
passado histórico, a discussão historiográfica e a análise de
tramitação do passado violento estão incluídos numa só análise
histórica, o que dificulta enxergar as fronteiras entre os estudos
da memória e a própria disciplina de História.
Intitulada “Guerras e regimes autoritários”, a segunda parte está
composta por cinco contribuições que abordam o tema respectivo em
México, Peru, Colômbia, El Salvador e Guatemala. Neste segundo
conjunto, a pesquisa histórica reconstrói as representações de
passados relativos a eventos formadores de identidade política,
integra mais profundamente a questão geográfica e analisa a memória
de conflitos armados internos de longa duração e ainda presentes,
como no caso colombiano. Nesta seção a diversidade de problemáticas
relativas à memória aparece de forma mais acentuada: no caso
mexicano, o massacre de estudantes em 1968 e as lutas políticas que
formaram a sua consciência histórica através de mudanças de governo,
reconhecimento e datas comemorativas; no caso colombiano o estudo
comparativo de três comissões pacificadoras, suas negociações,
acordos e normatizações do passado; em El Salvador, o esquecimento e
o silêncio com as vítimas; enquanto que nos casos de Peru e
Guatemala a questão racial e étnica é considerada com rigor, para o
levantamento das estruturas e atores responsáveis pelas lutas ao
redor de uma narrativa hegemônica do passado.
Finalmente, na terceira parte, dois trabalhos sobre Estados Unidos e
Argentina fecham a compilação de artigos. Especialista na região sul
americana, Benedetta Calandra põe em cena as políticas
estadunidenses, que concernem à abertura e digitalização de arquivos
confidenciais relativos à presença ideológica deste país no passado
ditatorial latino-americano. Trabalhando de forma transnacional, a
autora chama atenção para uma nova proposta investigativa, através
destes documentos e seu potencial produtivo para novas compreensões
das relações interamericanas. Em contrapartida o segundo e último
texto, escrito por Marina Franco, aborda as relações entre memória
pública, agenda política e historiografia. Questionando os limites
da disciplina de história, a autora empreende uma análise de como,
progressivamente, a memória sobre a ditadura e os discursos oficiais
moldaram as produções historiográficas no país na década de 1980,
assim como, inversamente, os mesmos discursos oficiais têm se
alimentado das produções historiográficas e transformações
internacionais no campo do estudo das memórias para praticar quebras
nas continuidades narrativas relativas ao passado violento
argentino. Com apenas duas contribuições, a mais curta das três
partes, reflete apenas em parte a importância dos novos avanços
teóricos e metodológicos para o campo de estudo.
“Las luchas por la memoria en América Latina. Historia reciente y
violencia política” é uma apurada cartografia da construção de
memórias da violência política na América Latina. O livro conta com
uma lista vasta de bibliografias e fontes primárias escritas, em sua
grande maioria originárias de jornais de grande circulação e
documentos oficiais. Apesar de não contar com fontes visuais, a obra
integra a seu conteúdo nove fotos representativas que encerram
alguns dos capítulos. Uma obra primordial para os estudos comparados
sobre as memórias latino-americanas, assim como um manual didático
importante para especialistas do campo de Estudos da Memória em
outras regiões.