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Torsten Wissman (2014)

Geographies of Urban Sound

Farnham, UK: Ashgate Publishing Limited, 278 pp.


Resenhado por Renato Frias

Universidade Federal do Rio de Janeiro


O pensamento geográfico sempre esteve associado aos aspectos visuais da superfície terrestre. Essa associação é evidente, por exemplo, na longa tradição geográfica de observação, descrição e classificação das paisagens. Traduz-se também nas formas essencialmente gráficas e visuais que os geógrafos têm utilizado para organizar e transmitir o seu conhecimento: mapas, globos, fotos de satélite, fotografias etc.


Esse enfoque centrado principalmente no que é visível tem levado os geógrafos a dar pouca atenção aos aspectos não-visuais dos seus objetos de pesquisa. Ainda que possamos encontrar algumas tentativas de romper com esse “ocularcentrismo”, tal como o trabalho de J. Douglas Porteous (1990), no qual o autor trata das “smellscapes”
, e a recente reflexão de Michael Gallagher e Jonathan Prior (2014) sobre o uso de métodos fonográficos na Geografia, esta ainda é uma ciência pouco atenta ao papel que o som, os odores e outros componentes do mundo sensível possuem na forma como organizamos e experienciamos o mundo.


Buscando suprir essa lacuna, Torsten Wissman nos apresenta o livro Geographies of Urban Sound. Geógrafo da Johannes Gutenberg-University, em Mainz, Alemanha, o autor tem se dedicado nos últimos anos ao papel que o som exerce na nossa vida cotidiana e, nessa publicação, direciona as suas reflexões para os ambientes urbanos. Boa parte dessas reflexões é direcionada para geógrafos mas, como trata de um tema debatido por pesquisadores de diversos campos do conhecimento, o livro pode interessar a leitores fora da Geografia também.


Dando atenção à paisagem sonora urbana, Wissman entende o som não como um subproduto da vida urbana, mas sim como uma parte fundamental dessa vivência. Sob essa perspectiva, o som não deve ser pensado de forma destacada da paisagem urbana, mas sim entendido como um dos seus elementos constituintes. Em suma, para o autor, o som não existe
na cidade, o som é a cidade.


Partindo dessas premissas, Wissman toma como principal objetivo do livro delinear um quadro teórico-metodológico para o estudo do som na paisagem urbana. Wissman está particularmente interessado nos efeitos dos sons urbanos sobre os indivíduos e investiga as muitas maneiras que o som influencia a nossa relação com a cidade e as nossas vidas cotidianas.


Geographies of Urban Sound é um livro com escrita clara e objetiva, dividido em seis capítulos. Nos dois primeiros, o autor apresenta os seus principais referenciais teórico-conceituais. Introduz, por exemplo, o campo da fenomenologia, através das obras de Edmund Husserl e Bernhard Waldenfels, referências do autor para o debate sobre a percepção humana. Com Edmund Husserl, Wissman destaca a ideia de “fluxo de consciência” para compreendermos como o contexto no qual o indivíduo está inserido influencia como este percebe o mundo que o rodeia. Já Bernhard Waldenfels e a sua “fenomenologia do alien” clarificam como determinados aspectos individuais também vão afetar a nossa percepção do mundo. O construtivismo também aparece, através do pensamento de Ernst von Glaersfeld e, indiretamente, nas reflexões do geógrafo Yi-Fu Tuan sobre o “sentido de lugar”, conceito fundamental para as discussões do livro. Além disso, estudos de cunho psicológico, sociológico, médico e trabalhos na área de design acústico e planejamento urbano são utilizados para a compreensão do processo de escuta humana. Trata-se de uma introdução teórica densa, cuidadosa e, ao mesmo tempo, bastante didática, permitindo ao leitor leigo uma boa compreensão das reflexões que aparecem nos capítulos seguintes.


Os estudos empíricos começam a ganhar destaque nos capítulos 3 e 4, nos quais Wissman apresenta um conjunto variado de estudos de caso realizados em cidades europeias e norte-americanas. Em tais estudos, o autor combina métodos de investigação tradicionais da Geografia e das ciências humanas, como entrevistas e pesquisas documentais, com formas menos usuais de investigar a paisagem urbana. Os tradicionais trabalhos de campo dedicados à observação e análise da fisionomia urbana são substituídos, por exemplo, por caminhadas cujo objetivo principal é ouvir e mapear os sons da cidade.


Dessa forma, encontramos pesquisas como a realizada em Austin, Texas, na qual uma série de entrevistas foi realizada para estabelecer as relações existentes entre sons específicos e o caráter sagrado de determinados lugares, mas também nos deparamos com estudos como o desenvolvido nas cidades de Lisboa e Londres, onde foram realizadas diversas caminhadas nas ruas com o intuito de escutar, mapear e analisar o som ambiente.


Caminhadas e mapeamentos sonoros desse tipo v
êm sendo utilizadas por pesquisadores de diversas áreas do conhecimento. Psicólogos e arquitetos, por exemplo, vêm utilizando essas caminhadas sonoras para realizar análises qualitativas de paisagens urbanas (Berglund e Nilsson 2006; Sémidor 2006). Já um bom exemplo de mapeamento sonoro é o projeto “Favourite Sounds”1 do músico e pesquisador Peter Cusak que, após perguntar às pessoas quais eram os seus sons favoritos e onde elas costumavam ouvi-los, gravou e mapeou esses sons, criando um mapa sonoro-afetivo da cidade de Birmingham. Na Geografia, ainda são poucos os exemplos de pesquisadores que se apropriaram desses métodos, mas podemos citar Toby Butler (2006, 2007), autor que debate as aplicações das caminhadas sonoras (soundwalks) na Geografia Cultural e que elaborou passeios com gravações contendo a história oral de duas rotas ao longo do rio Tâmisa, em Londres.


Ainda sobre os capítulos 3 e 4, é importante frisar a influência do pesquisador e músico canadense Murray Schafer que, desde a década de 1970, vem desenvolvendo um importante quadro teórico voltado para a compreensão da forma como afetamos e somos afetados pelo nosso ambiente acústico. Conceitos como “eventos sonoros e marcas sonoras”, apresentados por Schafer (1977) são utilizados nesses capítulos para debater os resultados adquiridos em entrevistas e em trabalhos de campo.


No quinto capítulo, Wissman
dá prosseguimento aos estudos empíricos, mas envereda para outros métodos. Partindo do argumento que os sons que um indivíduo ouve ao assistir um filme ou ouvir um audiobook podem ter uma influência na forma como nós percebemos uma cidade, o autor analisa dois audio dramas intitulados “The Three Investigators” [Os três investigadores] e “Gabriel Burns” [Gabriel queima], utilizando novamente os conceitos desenvolvidos por Schafer (1977), destacando como os sons foram utilizados para a construção de um sentido de lugar.


O último capítulo recebe como título a tese principal do livro, “Sound is the City
, e retoma parte do material e das conclusões distribuídas na obra. Com sólida fundamentação teórica e uma rica variedade de métodos de pesquisa, Geographies of Urban Sound nos ajuda a compreender como há muito mais informação nas cidades além daquela que é visível na paisagem urbana. O maior mérito do livro é oferecer uma sistematização dos métodos disponíveis para pesquisadores interessados nessas informações, apontando as suas potencialidades e limitações, e despontando como referência fundamental tanto para geógrafos quanto não-geógrafos interessados na paisagem sonora das cidades. No entanto, cabe aqui uma crítica final: a obra ganharia mais peso se acompanhada de algum tipo de material de áudio que ilustrasse os argumentos apresentados pelo autor. Links para streaming ou mesmo um CD encartado com o livro facilitariam muito a compreensão de algumas explicações apresentadas na obra.


Bibliografia


Berglund, Birgitta
and Nilsson, Mats (2006): “On a tool for measuring soundscape quality in urban residential areas”, in: Acta Acustica United with Acustica 92, 938-944.


Butler, Toby (2006): “A walk of art: The potential of the soundwalk as practice in cultural geography”, in:
Social and Cultural Geography 7, 889-908.


(2007): “Memoryscape: How audio walks can deepen our sense of place by integrating art, oral history and cultural geography”, in:
Geography Compass 1, 360-372.


Gallagher, Michael and Prior, Jonathan (2014): „Sonic geographies. Exploring phonographic methods“, in: Progress in Human Geography, 38 (2), 267-284.


Porteous, J. Douglas (1990):
Landscapes of the Mind: Worlds of Sense of Metaphor, Toronto: University of Toronto Press.


Schafer, R. Murray (2011 [1977]):
A Afinação do Mundo, São Paulo: Editora Unesp.


Sémidor, Catherine (2006): “Listening to a city with the soundwalk method”, in:
Acta Acustica United with Acustica 92, 959-964.


1 http://favouritesounds.org/ (ultimo acesso 17/04/16)