REVIEW ARTICLES
Lucía Castellón e Alejandro Guillier Álverez (coord.), María José Labrador (ed.) (2015): Comunicación, Redes y Poder, Santiago de Chile: RiL editores, 409 p.
Alexander R. Galloway (2004): Protocol. How control exists
after decentralization, Cambridge:
MIT Press, 249 pp.
Gustavo Gindre et al. (2007): Comunicação
digital e a construção dos commons. Redes virais, espectro
aberto e novas possibilidades de regulação, São Paulo:
Perseu Abramo, 176 p.
Tim Wu (2011), The
Master Switch. The Rise and Fall of Information Empires, New York: Vintage Books, 358
pp.
Nils Brock
Freie Universität Berlin
Há 17 anos foi publicado Sociedade em Rede de Manuel Castells em
português. Tornou-se uma conceptualização central nas
ciências sociais no mundo inteiro e até hoje surgem muitos
livros que são escritos explicitamente na sua linha de
análise. Porém, além de uma ampla repetição de conhecidas
postulações, como “as redes são estruturas abertas”1 (Castells 1997: 506f), também surgiram
críticas do amplo uso metafórico da referência rede, no
trabalho de Castells mas também dos seus apologistas (Galloway
2004). Por isto, com a distância de quase duas décadas,
revisitar alguns dos seus conceitos chaves parece uma tarefa
muito interessante.
Escolhi como ponto de partida desta revisão a antologia Comunicación, Redes y Poder
[Comunicação, Redes e
Poder] (Castellón et al. 2015) que reúne 19 artigos
de “distinguidos académicos e investigadores del
ámbito nacional e internacional” (11). Como demonstrarei em seguida,
focando nos textos mais relevantes, aplicar a noção da rede na
tradição da obra de Castells reproduz uma falta de preocupação
com a sua dimensão tecnológica e ontológica, o que leva em
muitos casos a conclusões problemáticas. Isso se evidencia
sobretudo quando o objeto do estudo são informação,
comunicação e mídia que – na grande maioria dos casos – não
existiriam sem esta dimensão tech.
Seria injusto responsabilizar Castells por esta atual “mancha
cega” analítica. Porém, quem escreve sobre redes no ano 2015
poderia contextualizar as suas premissas. Possibilidades não
faltam e eu me limitarei a somente três outras obras
complementares para demonstrar como poderiam ser preenchidas
as lacunas deixadas pelo conjunto do primeiro grupo de
autores. Antes de tudo, revisitando o livro Protocol [Protocolo] (Galloway 2004), será abordado
criticamente a expectativa que uma vez “em rede”, o poder se
decentraliza e permite novos protagonismos por generalizáveis
questões ontológicas. Segundo, abrirei o foco analítico para
redes midiáticas “fora da Internet” e antes do seu surgimento.
A obra The Master Switch (Wu 2011) consegue demonstrar justamente o
caráter cíclico na formação da mídia de informação e
comunicação, ou seja, que toda a mídia foi “a nova mídia” em
algum momento e que a sua distribuição quase sempre ocorreu em
rede. Por último gostaria chamar a atenção a uma breve
antologia pouco conhecida fora do Brasil: Comunicação
digital e a construção dos commons (Gindre et. al 2007). Trata-se de uma
introdução que visa uma apropriação e tradução do debate sobre
redes no sul globalizado: aqui também se constroem propostas
concretas para reconfigurar os dispositivos em redes
hegemônicas.
Começando nosso parcours de leitura com Comunicación, Redes y Poder, publicado no ano passado no Chile, deve ser constatado que o
prometido “árduo esforço
interdisciplinar”2 (11) para expor o estado do debate sobre a
sociedade de rede atual (ou pelo menos um debate) nas ciências
sociais, não se cumpre. Para começar, publicar uma antologia
de quase 400 páginas e 19 artigos sem uma explícita introdução
é muito atrevido. Logo, o que contribua a uma experiência
ainda mais revuelta é o caráter extremamente
heterogêneo dos tipos de texto reunidos. Tem quase-manifestos,
tem textos de um extremo rigor metodológico e tem textos que
se leem como entusiastas derivados de uma conferência TED ou
um discurso publicitário de uma empresa de consultoria. E
vários autores, como por exemplo Marc Prensky – criador do
conceito “nativos digitais” – visivelmente dominam mais o seu
papel de conferencista geek que as regras de artigos
científicos.
Mais uma particularidade do livro que também não se evidencia
na contracapa é que quase um quarto dos artigos que investigam
fenômenos sócio-técnicos estão situados no Chile, seguido por
outra repetida referência geográfica: a Espanha. Esta seleção
provavelmente deve-se ao fato que os dois coordenadores e a
editora desse obra coletiva trabalham no primeiro dos dois
países. O vínculo com o campo acadêmico castelhano explica-se
na biografia laboral de diferentes autores, não por último na
vice-presidência de Castellón da Secretaria
de Educación Publica
(SEP) da Espanha.
Enfim, a leitura chega sem bússola e carece também de um
estilo e uma seleção equilibrada. Porém, a tour de
force de revisar os
artigos com mais ênfase em redes de comunicação vale a pena,
justamente para mapear seu conteúdo heterogêneo, não somente
em busca de um fio vermelho, senão também em busca das razões
que impossibilitam achá-lo.
O livro se abre com um artigo aparentemente introdutório
chamado “Estado-Nación y medios
masivos”. O texto
proclama uma clássica crisotunity: enquanto as instituições dos
Estados-nações não conseguem reagir de maneira adequada à “agenda de los ciudadanos” (13), a sociedade descobre “una nueva revolución en la forma de comunicarse” (14). Apresenta-se, segundo o
autor, a oportunidade de quebrar o monopólio de informação dos
meios de comunicação tradicionais, explorando uma
“auto-comunicação” (termo Castelhano), que permite tanto novas
formas de liderança como uma nova inteligência coletiva no
fundamento dos atuais movimentos sociais.
Respondem a esta hipótese sobretudo 16 textos que se podem
agrupar em seis categorias temáticas: jornalismo; família;
educação; crise política; controle, democracia e movimentos
sociais; mídia social). Os três artigos dedicados à “metamorfosis del periodismo” compartilham a visão que este,
na sua organização profissional, faz parte da crise das
instituições tradicionais relacionada ao Estado-nação na sua
função de um quarto poder. Tanto no texto de Carlos Soria como
no de John V. Pavlik constam uma situação onde “[o] jornalismo cidadão ou jornalismo cívico
pretende competir ou substituir o jornalismo profissional”3 (24) – porém suas problematizações das
transformações são bem diferentes. Para Soria, o jornalismo
parece ser por definição um assunto empresarial que precisa se
reinventar numa nova etapa da comunicação, onde a informação
pertence ao público. Mas ao invés de dimensionar formas
não-empresarias de circular informações na Internet e nas
redes sociais, o autor resume todas essas iniciativas a
esforços individuais como “profesional-amateur” (24) para o confrontar a um
conceito normativo de “periodismo puro y duro“ (28) que
sobreviverá graças à sua capacidade de ser mais eficiente
(turbina informativa) e dessa forma, mais apto para servir às
necessidades do mercado. Pavlik, com mais prudência, insiste
na falta de maiores pesquisas, porém tenta sustentar com “evidencia anecdótica” (74) duas tendências que interatuam com o
fenômeno do jornalismo cidadão: por um lado, os meios de
comunicação tradicionais se transformam em conservadores e
fomentadores da produção do jornalismo cidadã. Pelo outro
lado, segundo ele, este último na sua existência é menos
ameaçado pela reinvenção da “grande mídia” em tempos digitais,
senão pela crescente restrição legal da livre expressão
online, não somente ao nível nacional senão dentro de uma
internacionalização de leis problemáticas.
Empiricamente muito
mais fundamentado é o trabalho de Gaëtan Tremblay que oferece
um estudo de casos ao redor das transformações de jornais
canadenses em tempos digitais. Curiosamente, a análise
empírica verifica a ideia da turbina informativa postulada por
Soria anteriormente: a grande parte dos jornais profissionais
intensifica e reinventa o seu trabalho online para captar
novos públicos. Mas adicionalmente, Tremblay relaciona essa
tendência com a hipótese crítica que esta “competição leva a uma redução no número de
proprietários e da consolidação dos grupos mais poderosos”4 (278). Onde Soria anseia um forte jornalismo
empresarial, este autor recomenda um “comissão permanente na pesquisa e vigilância”5 (288) para conter tendências monopolistas no
setor da imprensa – uma proposta postergada no Canada três
vezes desde o ano 1969.
Os três autores prestam pouca atenção à dimensão tecnológica
do jornalismo online, uma falta compensada nos textos de Lucía
Castellón e Oscar Jaramillo. Ora sendo uma aproximação
bastante descritiva, mas precisa, a análise do possível uso de
novos “atores” (bots, spiders, clouds) e conceitos (big data) por jornalistas evidencia uma
apropriação investigativa de uma tecnologia ambivalente –
achado no seu potencial de vigilância – onde o estudo de
metadados permite controlar o poder através da “recopilación, procesamiento y difusión de la
información” (52).
Enquanto o olhar sobre o jornalismo foi guiado pelo uso
táctico da tecnologia, o texto da comunicóloga brasileira
Margarida M. Krohling Kunsch investiga “el impacto de la comunicación moderna y digital en
la familia” (75).
Segundo a autora, muitas crianças e jovens não são capazes de
avaliar as consequências de expor sua vida privada em redes
sociais. Krohling insiste que para aprofundar este debate será
preciso iniciar pesquisas pontuais e no plano teórico e
metodológico exige colocar no centro “las personas” como
“seres pensantes e críticos” (92).
Este apelo serve como uma excelente introdução provocadora
para os seguintes textos sobre a alteração da educação na
sociedade em rede. No primeiro, Marc Prensky, que se define
como “líder, orador, escritor, asesor
y diseñador de juegos en el campo de la educación” (134) assume sem exagerar uma
postura extremista pro-tech. O seu texto oscila entre
opiniões e apelações a favor de um novo plano de estudos onde
a tecnologia melhora o ser humano e “subjaz
a tudo o que fazemos”6 (130), o qual dessa forma será apoderado
para “agir como um empresário [e]
tomar medidas políticas e quebrar barreiras quando
necessário”7 (131). Esse caminho, segundo o sociólogo
Alejandro Navas, criará nada menos que “autenticas patologías sociales” (151). O seu artigo por isso
consiste numa defesa não menos radical do ensino frontal e
grupos de trabalho, ambientes nos quais possa ser aproveitado
o uso de novas tecnologias sempre quando for reflexivo e
sustentado. Infelizmente estas generalizações opostas vinculam
efeitos causais ao uso educacional das Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC) apoiando-se se num material
empírico muito reduzido (no caso de Navas) ou pior, em slogans anunciativos (no caso de
Prensky). Desse jeito, cabe aos pesquisadores Cristóbal Cobo e
Hugo Pardo Kuklinski estabelecer uma perspectiva mais
diferenciada em torno de um caso concreto: experiências da
educação eletrônica e móbil, sobretudo de plataformas do tipo
MOOC (massive open online courses) em nível universitário. Na sua
comparação de diferentes estratégias de atores institucionais,
evidencia-se uma complexa negociação entre a educação
presencial e online sobre a “utilización
de múltiples dispositivos en forma convergente para resolver
problemas y en consecuencia aprender” (116). A conclusão dos autores de explorar
mais o princípio de openness dentro do contexto universitário
é pertinente: desconstrói supostos efeitos causais de certas
tecnologias e diversifica esta noção de algo monolítico ao
introduzir atores novos como a comunidade de software livre e
o movimento de creative commons.
O bloco temático
titulado “crises politica” trata explicitamente da
transformação e da perda de importância dos partidos políticos
e a personalização dos discursos políticos. Ambos fenômenos
são relacionados e os três textos apontam aos meios de
comunicação como causa e o mediador central da crise, ligados
explicitamente à questão da representatividade. O interessante
artigo de Nicole D’Almeida e Nicolas Baygert trata sobre a
transição em direção a uma “lógica
horizontal” (197) na
comunicação política. Partindo de uma análise das sondagens de
opinião em relação a estratégias de governar (sondeocracia) conclue-se que esse método de
pesquisa de opinião pública aparentemente ajuda para
recompensar “la entropia representativa” (203) da política. A
nova base de políticas participativas, segundo os autores, é a
Internet, onde muito além da caraterística numérica de
clássicas sondagens quantitativas, pode ser elaborada “una identidad partidaria y de un ofrecimiento
político co-construido” (201). A graça do artigo é a revisão critica
da sua própria hipótese. D’Almeida e Baygert analisam primeiro
a questão de quem controla o dispositivo dessa participação
(segundo eles influenciar sobre a sua matriz é mais importante
que possuir um poder efetivo) e logo analisam a suas paralelas
com um empoderamento consumista que se conhece do mundo do
marketing. A sua conclusão: onde participamos são em “sociedades de juicio” ou seja, ao invés de uma apoderação plena
de forma horizontal, os cidadãos e cidadãs são permitidos de
articular opiniões “situada a medio
camino entre la indiferencia y la protesta” (212).
Num segundo texto
sobre a crise política, o sociólogo Antonio Leal monta um
recorrido histórico dos partidos políticos, argumentando que
eles perderam o seu rol central de intermediário entre
sociedade civil e Estado, devido a diversos fatores (p. ex.
fim da política ideologizada, fraturas pós-materialistas,
surgimento de novos movimentos sociais etc.) fortalecendo a
emergência de partidos eleitorais que obedecem uma dinâmica de
opinião pública e “liderazgos
personalizados”
(367). Juán Cristóbal Portales Echeverría, licenciado em
comunicação social, analisa esta mesma tendência no caso do
Chile, propondo uma análise descritiva do marketing político
e, sobretudo, do uso de sondagens de opinião, o que divide os
dois atores e a maneira como colocam essa crises em relação ao
termo da sociedade em rede. Para Leal, o surgimento e a defesa
de uma auto-comunicação em massa permitiria justamente
“hackear” o marketing político atual. E os partidos, segundo
ele, devem fazer parte de redes independentes (dentro ou fora
da Internet) para criar novos afetos com eleitoras e
eleitores. Portales, com o olho na situação atual chilena,
insiste num processo de comunicação política transacional, o
que complica uma saída fácil pelo caminho de redes sociais,
porque segundo ele, existe uma convergência funcional entre as
agendas do eleitorado, candidatos e os mesmos meios de
comunicação.
Um ultimo grande bloco da antologia constitui-se de textos
dedicados aos temas de controle, democracia e movimentos
sociais. O pano de fundo desta vez é explicitamente a chegada
da história política chilena na sociedade em rede, elaborada
nos dois artigos de Alejandro Guillier e de Rócio Zepeda
Majmud. Este último, tenta inicialmente demonstrar a
continuidade de movimentos sociaisdesde a “huelga de la carne”8 (334) no ano 1905 até os ainda atuais
protestos estudantis. Tanto Zepeda como Guillier coincidem que
este último movimento conseguiu “algo
nunca antes visto: llegar a casi toda la sociedad” (339) e que isto se deve a um
extenso uso das TICs. Porém Guillier
não compartilha da explicação histórica, senão explica o
surgimento dos “indignados chilenos” (260), formados num primeiro momento pela
criançada da classe média desiludida tanto com as instituições
políticas conformadas durante a ditadura que nos anos 1990
tinham perdido a sua capacidade de criar uma adesão social,
como com o mercado que igualmente deixou de funcionar como
mecanismo de integração social. Separados por suas
perspectivas analíticas, ambos os autores coincidem numa
conclusão muito otimista: interpretam o movimento estudantil
como um ponto sem retorno porque se abriu um novo espaço do
possível e um discurso de uma “democracia
sustantiva” (271).
O artigo da socióloga Rocío Ortiz Galindo aprofunda a
teorização dos novos movimentos sociais e a sua relação com a
Internet como um espaço de ativismo político. Ele é igualmente
otimista ao aportar aumentar a mobilização e a desobediência
civil. Proclama contra-esferas públicas virtuais que prometam
ser caminhos em direção de uma nova democracia. Pertence logo
a reflexão teórica do doutor em jornalismo Carlos Ruiz, de
semear sérias dúvidas sobre este caminho promissor. Com a
figura conceitual do bom selvagem digital (293f), que se
construa um sujeito que tateie a armadilha do “mesianismo tecnológico” (295). Consta que tanto o ciberativismo
organizado como os indivíduos abandonem o espaço politico
conquistado historicamente e o destruam junto a um fundamento
importante da democracia: a privacidade. O argumento convence,
porém é problemático acusar organizações como a Electronic
Frontier Foundation (EFF) de forma genérica de confundir a
ausência de leis com liberdade. Isto nega a colaboração ativa
desta e outras organizações no desenvolvimento de propostas
regulatórias concretas (p. ex. Códigos Civis de Internet). Sem
dúvida é importante criticar as falsas promessas da
tecnologia, mas os messias que Ruiz pretende atacar são
outros.
O que têm em comum todos estes artigos é que fazem referência
às redes – e na maioria dos casos à Internet – e
precisam delas como fator explicativo, atribuindo-as efeitos
sociais de diversos tipos mas sem entrar em análises da sua
constituição. Fazem-se avaliações positivas (p. ex. a
afirmação de uma possível auto-comunicação), negativas (p. ex.
vigilância) ou simplesmente constam uma ambivalência das
redes, porém não confrontam-se com a ontologia das redes
descritas – apenas D’Almeida/Baygert e Castellón/Jaramillo
descrevem pelo menos partes dos dispositivos pesquisados. É
por isto que o artigo mais metodológico da antologia, “Los medios de sociales y los desafíos de la
comunicación digital en red”, dedicado explicitamente à transformação de
redes sociais em medios sociales, desperta a esperança de
corrigir esta tendência geral. Infelizmente, a equipe
interdisciplinar brasileira de Cândida Almeida, Monica Franchi
Carniello, Adoplho Queiroz, Adriana Azzolino e Tércio Paparoto não traduz a sua parametrización (160) da
mídia social numa
revisão crítica da premissa que redes por
definição são democráticas e coletivas (155f). É uma
idealização difícil de compreender no mundo pós-Edward-Snowden
que forçosamente leva a conclusões tautológicas. Nem uma vez
se pergunta o que sustentatecnologicamente esse espaço e como
interatua essa parte da rede com as demais dinâmicas sociais
analisadas.
Pode se constatar que Comunicación, Redes y Poder abre muitas perspectivas
interessantes para explorar a sociedade em rede mas depois da
leitura permanecem pelo menos quatro problemas que em seguida
gostaria de revisar na luz de obras posteriores a Castells mas
anteriores a muitos dos seus atuais seguidores, que lhes
poderiam ter servido de consulta.
Começamos com um problema fundamental da antologia: a
persistência de modelos difusionistas e funcionalistas na
abordagem da comunicação em rede. O livro está cheio de gatekeepers, manipuladores ou agenda
setters. Mas estes
atores correspondem – quase por definição a hierarquias
centralizadas e verticais, ou seja, ao contrario das redes,
até aqui descritas majoritariamente como “descentrais”. É
frente a este paradoxo analítico que Galloway se propõe a
reconstruir já no ano 2004 “como
controle existe após a descentralização”9 (1). O seu livro Protocol avança em sete capítulos. O
autor propõe uma mudança radical na percepção das redes: ao
invés de cartografar os seus nós para posteriores
interpretações sobre a conectividade, coletividade e
participação, analisa linguagens (código), protocolos e os
processos decisivos que estabilizem o que a gente chama de
Internet. Influenciado pela hipótese de Gilles Deleuze, quem
prediz uma transformação de sociedades de disciplina em
sociedades de controle, Galloway identifica os protocolos da
rede como os decisivos estilos de management, um “aparelho
de controle maciça que orienta redes distribuídas , cria
objetos culturais, e gera formas de vida”10 (243).
O conceito das “redes
distribuídas” permite também abandonar a dicotomia estrutural
central/descentral e abre o olhar sobre novos atores. Isto não
quer dizer que governos e cooperacões midiáticas perdem
importância, senão que são complementados por organizações
como a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers
(ICANN) de uma forma que a sua lógica de controle “opera fora do poder institucional, governamental
e corporativo, embora tenha laços importantes com todos os
três”11 (122). Nas 260 páginas do seu livro,
Galloway persegue esta premissa com um rascunho do caráter
físico da Internet, reconstrói o surgimento e a hierarquia dos
protocolos e demonstra também os seu pontos fracos, que
permitem diferentes tipos de exploits, tanto para aumentar o nível de
controle, tanto para intervir de forma crítica no futuro
desenho do dispositivo por medidas de hacking, mídia tática ou intervenções
artísticas (145f).
Talvez a hipótese mais incômoda que Galloway articula é de que
não existe mais nada fora da lógica do protocolo. Segundo o
autor, poderiam ser criados espaços autônomos (p. ex. através
de redes p2p), mas a possibilidade de criar a curto prazo
redes totalmente independentes dos dispositivos hegemônicos
acabou porque uma saída permitirá somente quebrar com a lógica
protocolar (246). Neste ponto vale a pena perguntar se não
existem muitos tipos de protocolos e se a popular reunião
específica de alguns deles, chamada Internet, realmente
significa que a sociedade rede caminha em direção a um
dispositivo só. Galloway parece indeciso sobre este ponto mas
comparte com os textos do livro Comunicación, Redes y
Poder a implícita
ideia que pelo menos toda mídia converge na redes das redes.
Isto poderia se dever a circunstância que ambos os livros não
refletem sobre a historicidade da Internet em relação a outras
redes midiáticas. É exatamente esta perspectiva que se elabora
no livro The Master Switch de Tim Wu, pesquisador e advogado que pode
reclamar ter formado o termo da net neutrality. Esta ideia mesma é derivada de
uma observação da mídia de difusão (rádio, cinema, televisão,
TV a cabo e logo Internet) e as suas transformações desde o
começo do século XX até hoje. Fundamenta-se no princípio do common
carrier [transportador
comum] (23) usado na telegrafia e telefonia, ou seja, do
tratamento igual de todos os dados transportados numa rede.
Isto é, já a revisão da ideia da neutralidade de rede
demonstra que o debate de “controle” da nova e velha mídia
está relacionado e que existem perguntas cíclicas, como por
exemplo, até que grau uma rede seja aberta ou fechada.
Teoricamente esta ideia de ciclos se encontra no prophet of
innovation (27)
de Peter Schumpeter. Para este autor, a essência do
capitalismo é um ciclo de destruição industrial que começa no
momento que uma inovação consegue quebrar o existente
monopólio graças ao seu rápido crescimento econômico. Logo
depois de virar o novo monopólio, será sustido por outra
inovação. Wu aplica esta ideia à história dos meios de
comunicação eletrônicos nos Estados Unidos e tira uma conlusão cíclica muito especial: depois de um “período de exploração aberta e experimentação
cultural”12 (305) qualquer meio de comunicação entra
numa dinâmica de centralização, criando mais uma vez um
monopólio de comunicação. Dividido em cinco partes o livro
conta o surgimento da mídia que dominou o século XX, o seu
começo de majoritariamente amadores, o crescimento de atores
comerciais em rede até virarem monopólios, os seus esforços de
lobbying político para destruir potentes
inovações na sua fase emergente (Kronos effect) e logo as estratégias que
finalmente conseguem quebrar esta resistência de indústrias
fechadas somente para começar o ciclo de novo.
Para o debate da sociedade em rede, as introduções de Wu são
diversas. Antes de tudo, ele demonstra que existiam tentativas
de criar sociedades em rede desde os anos 1910, ligando
comunidades rurais por fios ou ondas eletromagnéticas, um
dispositivo bem diferente ao broadcasting que a gente conhece hoje, onde
cada usuário do dispositivo pode transmitir também e “many
dreamed it could cure the alienating effects of remote federal
government” (37). Outro ponto importante do livro é colocar o
dedo na dimensão econômica das redes de comunicação e a
constante tentação de fechar dispositivos abertos para
maximizar o lucro de atores comerciais. Porém a crítica desta
lógica capitalista não excede uma postura social-democrática
que recomenda revisar anti-regulatory-sentiments
(313) e trabalhar numa
regulamentação que aproveite os “benefícios a curto prazo de um monopólio sem os
efeitos de opressão de longo prazo”13 (320).
Enquanto o livro de Wu aporta muito em abrir um debate
transmídia das redes de comunicação, também traz consigo um
efeito distorcedor: o olhar nos monopolistas e o interesse em
verificar a sua hipótese cíclica tenta ofuscar redes
alternativas. Na narrativa de Wu estas alternativas somente
existem num início (os verdadeiros inovadores) ou em nichos geek – para ele o sistema operativo
Linux não é mais que isto. Desta forma os macro atores crescem
ainda mais e resulta difícil imaginar uma sustentação
diferenciada da sociedade em rede que escapa o pessimismo
cultural organizado em ciclos de comunicação. A sua defesa de
uma abertura das redes fica vaga.
Vale a pena uma última leitura então, que consegue preencher
esta premissa geral com ideias concretas. No ano 2007, um
grupo de pesquisadores brasileiros, no formato de uma
mini-antologia, trouxe um debate ao Brasil que titularam Comunicação
digital e a construção dos commons (Gindre et al. 2007). Colocar como base de
uma sociedade de rede realmente inclusiva e participativa o
conceito dos bens comuns lhes permitiu repensar este paradigma
mais uma vez. Foi uma intervenção acadêmica estratégica,
publicada pela editorial Fundação Perseu Abramo, criado pelo
Partido dos Trabalhadores (PT) e neste momento na busca de
argumentos para quebrar com os monopólios midiáticos herdados
da ditadura. Os convidados autores dos Estados Unidos, Yochai
Benkler e Kevin Werbach, falaram da necessidade de sair da
“sociedade de consumidores“ (20) e construir uma
infraestrutura básica comum, tanto redes físicas como sem fio,
que poderia ser aproveitada de uma forma aberta entre
diferentes atores. Os demais autores brasileiros (João Brant,
Gustavo Gindre e Sérgio Amadeu da Silveira) logo refletiram
sobre mudanças concretas em termos da regulação da mídia e
possíveis efeitos sobre a pluralidade na comunicação.
O que é interessante do livro é como os autores multiplicam a
noção de rede em torno de dois conceitos básicos, redes virais
e o espectro aberto. O primeiro toma como ponto de partida a
topologia de redes e consta que “existem várias formas de se
desenhar uma rede” (2007: 44). Numa rede mesh cada nó é potencialmente ligado
a todos os outros nós, uma caraterística da qual se espera
“uma comunicação mais econômica, inclusiva, decentralizada e
de difícil controle autoritário” (45). No caso do “espectro
aberto” a infraestrutura básica são as ondas eletromagnéticas
e o ponto chave não consiste em como aceder este recurso. Ao
definir o espectro mesmo como um bem comum e democratizar o
acesso no ano 2007, os autores esperavam construir um
argumento teórico para terminar com o uso predominante da
mídia comercial, não somente para rádios comunitárias senão
também para redes de dados sem fins lucrativos.
Mesmo estas ideias não sendo levadas para frente, nem pelo
grupo de autores, nem por políticas públicas, elas constam um
argumento forte e influente contra a expectativa de um
dispositivo ou um protocolo central na sociedade em rede.
Hoje, já estamos acompanhando o surgimento de novos conceitos
para redes digitais (e analógicas), alternativas à Internet ou
às apropriações de espaços em relação a este. São modelos
emergentes de telefonia comunitária, redes mesh ou outros usos experimentais do
espectro eletromagnético ou redes por fio (Novaes 2013;
Belisário 2015:15).
Esta revisão de diferentes interpretações da noção da rede e
da chamada sociedade em rede demonstra que persistem muitos
fios soltos para amarrar o debate e o diálogo sobre este teme
crucial. O foco em meios de comunicação evidenciou por um lado
uma grande diversidade de perspectivas de pesquisas e pelo
outro uma falta de diálogo entre elas, relacionado sobretudo a
questões topológicas e ontológicas que influenciam muito as
análises. Concluo então que seja importante intensificar o
debate em quatro dimensões. Primeiro, acredito que é
importante sempre analisar os protocolos, as linguagens e os
códigos da comunicação quando se fala de redes, para não
deixar numa caixa preta boa parte dos dispositivos
sócio-técnicos relevantes. Segundo, a revisão de todos os
textos citados neste artigo sugere que singularizar a Internet
como mídia tem um efeito muito distorcedor. Importante lembrar
sempre, que existe um antes e um fora da Internet e também dos
protocolos. Terceiro, vale a pena lembrar o princípio de
procurar um certo equilibro no sample dos casos pesquisados para não
marginalizar certas expressões em rede que talvez dificultam a
verificação de hipóteses gerais mas prometem por outro lado
manter em vista o potencial de criar redes alternativas. Por
último, a comparação do livro Comunicación, Redes y Poder que se entende como uma obra
interdisciplinar, com três obras com ambições similares,
demonstra que na antologia mais atual sobram sociólogos e
faltam informáticos e pesquisadores dos estudos de ciência e
tecnologia. É de se esperar que em futuras antologias elas e
eles sejam convidados também para ampliar e diversificar a
ontologia das redes e o que se constrói nelas.
Bibliografia
Belisário, Adriano (2015): “Espectro Livre como alternativa
tecnopolítica à vigilância”, in: poliTICS,
22.
1 “[l]as redes son estructuras abiertas”
2 “arduo esfuerzo interdisciplinario“
3 “[e]l periodismo ciudadano o periodismo cívico compite o aspira a reemplazar al periodismo profesional”
4 “competencia conduce a una reducción en el numero de propietarios y a la consolidación de los grupos mas poderosos”
5 “comité permanente de investigación y vigilancia”
7 “actuar como un empresario [y] tomar medidas políticas y romper barreras cuando sea necesario”
8 “greve da carne”, greve histórica que aconteceu no ano 1905 em Santiago de Chile e junto com a greve portuária de Valparaiso (1903) figuram como primeiros exemplos de movimentos reivindicativos do pais, N.B.
9 “how control exists after decentralization”
10 “massive control apparatus that guides distributed networks, creates cultural objects, and engenders life forms”
11 “operates outside institutional, governamental, and corporate power, although it has important ties to all three”
12 “period of open exploration and cultural experimentation”
13 “short-term
benefits of monopoly without the long-term oppresion”