Fernando Palacios Mateos (2013)

El andarele en la música tradicional afroesmeraldeña

Quito: Ediciones Abya-Yala, 189 pp.


Resenhado por Raquel Dias Teixeira

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular


Na introdução de sua obra, Fernando Palacios relata que a composição ou “peça musical” andarele foi uma das primeiras manifestações musicais com a qual teve contato ao chegar no Equador. Teria sido a atração por sua sonoridade o que o impulsionou a investigar o andarele. O texto que se segue parece realmente atravessar o caminho pelo qual o pesquisador deve haver percorrido no processo de “descoberta” e análise do seu objeto de reflexão.


A obra toma como modelo paradigmático tal peça musical e festiva, componente da tradição afro da população localizada na província de Esmeraldas, norte do Equador. Contudo, não tem como escopo o estudo detalhado de seus elementos musicais, senão seu contexto social e histórico. Outro propósito do autor é acessar aspectos cosmológicos e cerimoniais do andarele. Como metodologia para tal fim, o pesquisador realizou trabalho de campo junto aos músicos ligados à música afro-esmeraldenha. Se por um lado a tese se aproxima dos estudos de folclore pela fundamental preocupação de se entender o fenômeno da tradição oral - transmitida através de gerações, de caráter anônimo, coletivo e dinâmico - por outro viés, se alinha à experiência da antropologia simbólica ao examinar, no plano descritivo e analítico, o contexto simbólico que envolve a música afro no Equador (Béhague 1982).


O livro se estrutura em três capítulos. O primeiro realiza uma breve apresentação da província de Esmeraldas, relacionando aspectos históricos, econômicos e sociais. Todavia, o conteúdo se centra na origem e desenvolvimento da população afro-esmeraldenha, que atualmente conforma 23% dos habitantes locais. Parece haver uma preocupação crucial em demonstrar tanto a múltipla procedência das etnias escravizadas trazidas ao Equador, quanto em ressaltar que diferentes grupos culturais já habitavam a região, quando da chegada dos africanos. De maneira transversal, o conceito de transculturação já é então abordado. Por fim, alguns personagens lendários e mitológicos, e a poesia popular afrodescendente são brevemente debatidos.


O segundo capítulo oferece um panorama geral da música tradicional afro-esmeraldenha. Sobretudo, o autor elenca e define alguns fundamentos chaves como ritmo, carácter social, papéis de gênero, improvisação, dança e religiosidade, que considera emblemáticos da cultura afro no país. O que se destaca é a forte ênfase simbólica atribuída aos instrumentos de percussão -seu papel comunitário e de improviso. Posteriormente, o autor aponta algumas características rítmicas e melódicas, além de realizar uma descrição das formas, origens e modos de execução dos instrumentos de percussão utilizados. Por fim, Fernando Palacios procura refletir sobre a dimensão cosmológica, no que diz respeito às ligações estabelecidas entre a música e certas cerimônias rituais e religiosas.

O terceiro capítulo é dedicado ao andarele e suas características constitutivas. Nesta parte são descritos alguns dos seus atributos, como os instrumentos de percussão e as variações rítmicas, melódicas e harmônicas. Além do ensaio sobre acordes e escalas fundamentais, ainda são abordadas a coreografia, o vestuário e alguns dos temas recorrentes nas letras do andarele. O que se pretende é apresentar alguns “modelos” para apreciação, apesar do fato de que tais elementos sejam variantes em função do intérprete, da orquestra ou do grupo musical que executa o andarele. É nesta parte final do trabalho (que aliás é a mais aprofundada), onde fica evidente a contribuição da pesquisa e material de campo na construção teórica do texto.


O DVD que acompanha o livro contém um bom material ilustrativo e de registro, com a disponibilização de mapas e fotografias de instrumentos musicais, diversas letras, partituras, músicas e vídeos, referentes ao andarele e a outros ritmos afro-esmeraldenhos.


É vasto o acervo de registros fonográficos da música indígena e afro na América Latina, resultante principalmente dos estudos folclóricos. Entretanto, as pesquisas de etnomusicologia sobre o tema desde a consolidação desta disciplina não são abundantes (Chamorro 2015). As monografias acerca da música tradicional afro-esmeraldenha são também escassas, segundo o próprio autor. A argumentação formulada por Fernando Mateos dialoga com os estudos pioneiros da etnomusicologia latino-americana, que se fundamentavam nos arquétipos do “tambor” como elemento simbólico da caracterização material do africano na América, e da polirritmia (emprego simultâneo de duas ou mais estruturas rítmicas), enquanto sua caracterização musical (Chamorro 2015).


A pouca problematização das categorias nativas, ou mesmo do conceito de “cultura afro-esmeralda”, utilizado por vezes reiteradamente, pesa desfavoravelmente à discussão realizada. Afinal, o que definiria este conceito? Quais são as disputas e fronteiras do que se entende por “cultura afro” no Equador? A perspectiva do autor evidencia a adoção do conceito de transculturação cunhado pelo antropólogo cubano Fernando Ortiz. Ou seja, a ideia de que a cultura afro-esmeraldenha seria resultado do trânsito entre elementos das culturas africanas, espanholas e americanas. O problema é que a ênfase nesta espécie de síntese cultural harmônica mascara e encobre as relações de conflito e dominação existentes (Oliveira 2003).


Por fim, o trabalho que se destina ao público acadêmico da etnomusicologia e antropologia contribui para a bibliografia da área com uma discussão qualificada sobre a música afro-esmeraldenha.


Bibliografia


Behague, Gérad (1982): “Ecuadorian, Peruvian and Brazilian Ethnomusicology”, in: “A General View en Latin American Music Review”, Austin: UTexas Press, Vol 3(1), pp.17-35.


Chamorro, Jorge (2015): “Contribuciones teóricas y metodológicas de laetnomusicologia latinoamericana”, online: http://www.cenart.gob.mx/centros/cenidim/archivos/contribuciones_teoricas.pdf (Visitado 01.03.2015)


Mateos, Fernando Palacios (2013): “El andarele en la música tradicional afroesmeraldeña”, Quito, Ecuador: Ediciones AbyaYala.


Oliveira, Emerson Divino Ribeiro (2003): “Transculturação: Fernando Ortiz, O negro e a identidade nacional cubana 1906-1940”, Goiás: Universidade Federal de Goiás.