Claudia Rauhut (2012)

Santería und ihre Globalisierung in Kuba.

Tradition und Innovation in einer afrokubanischen Religion

Würzburg: Ergon Verlag, 340 S.


Resenhado por Andreas Hofbauer

Universidade Estadual Paulista, UNESP


Baseando-se em amplas pesquisas bibliográficas e, acima de tudo, num minucioso trabalho de campo realizado em Havana, Claudia Rauhut propõe-se a analisar como, no momento em que a santería se dispersa pelo mundo, as concepções a respeito dela são disputadas e remodeladas pelos próprios adeptos, e como a construção de redes transnacionais repercute sobre discursos e práticas, ensejando negociações e conflitos.


Para isso, Rauhut segue, neste estudo instigante, uma proposta metodológica inovadora: procura avaliar processos de globalização a partir de uma perspectiva micro. A antropóloga alemã mostra que processos de transnacionalização não são obrigatoriamente resultado de processos migratórios. A santería pode ser entendida como uma forma religiosa de transnacionalização produzida localmente por líderes religiosos que, geralmente, não têm a possibilidade de sair de Cuba. Ao integrar estrangeiros através de obrigações ritualísticas periódicas à sua família de culto, constroem redes transnacionais. Por meio delas conquistam prestígio e criam as condições que lhes permitem participar, com autoridade, dos diálogos transnacionais sobre a religião dos orixás.


Rauhut abre o livro com reflexões críticas sobre alguns conceitos-chave (secularização, religião), a partir dos quais busca construir as bases teóricas para sua abordagem. Ao debater as categorias diáspora e transnacionalização, Rauhut apresenta os trabalhos de dois antropólogos renomados que lhe servem como inspiração teórica principal: tanto a tese de J. Lorand Matory (1999) a respeito da gênese transnacional dos iorubás quanto a noção de “política e poética de africanização” de Stephan Palmié (2008) expressam posições analíticas que incorporam as máximas do discursive turn e buscam romper com noções como estrutura, valores e essências, evocadas pelo conceito clássico de cultura.


Os capítulos históricos iniciam-se com uma análise dos primeiros estudos sobre a santería, que revelam, entre outros, que o pioneiro nestas pesquisas, Fernando Ortiz, não só dialogava com cientistas que investigavam a “religiosidade africana” no Brasil (Raimundo Nina Rodrigues, Roger Bastide), mas também inspirava-se em importantes obras escritas por africanos originários da atual Nigéria (Samuel Ajayi Crowther, Rev. Samuel Johnson). Muito elucidativos são os capítulos 5 e 6, nos quais Rauhut mostra, com riqueza de detalhes, como a revolução cubana lidou com as formas de religiosidade associadas aos ex-escravos. Ao recuperar a noção de “folklore afrocubano” cunhada por Ortiz, os líderes revolucionários tendiam a tratar a santería como uma parte da cultura (folclore) nacional. A mudança da política religiosa (abandono do ateísmo científico em favor da defesa de princípios laicos), no início da década de 1990, teria aberto as portas aos processos de globalização e revitalização das tradições religiosas afrocubanas.


Na sequência, Rauhut foca processos locais e globais que fizeram com que surgisse um interesse transnacional pelo “lado africano” de Cuba, que incentivaria também o turismo e traria importantes divisas para o governo revolucionário. Com muita habilidade, a autora analisa como, neste contexto marcado por tensões entre forças propensas à mercantilização da santería e o controle estatal sobre ela, emergem atores locais que constroem redes transnacionais com o objetivo de disseminar suas visões sobre a santería e de atrair “clientes” (muitos deles, turistas). Acusações mútuas, desde falta de autenticidade até interesses meramente econômicos na execução dos rituais, marcam as disputas internas e transnacionais nas quais a questão da pureza de tradição torna-se um recurso discursivo fundamental.


Rauhut localiza, em meio à elite religiosa contemporânea, dois polos discursivos sobre a tradição da santería que se confrontam. O primeiro, disseminado pela Asociación Cultural Yoruba de Cuba, entende que a santería tem suas raízes na ilha caribenha e, devido às perdas culturais provocadas pelo avanço do Islã e do cristianismo na África, pode ser considerada a forma mais autêntica da tradição iorubana. Sendo esta organização a única que possui reconhecimento estatal, ela tende a atuar como um órgão regulador oficial que vincula a defesa da santería à defesa da identidade nacional.


Já o polo da línea africana, corrente minoritária, combate, com fervor, qualquer influência identificada com o cristianismo e pode ser dividido em duas vertentes: a primeira busca revitalizar tradições que remontam aos primórdios da colonização cubana (Lúkúmízación); a segunda procura fundamentar seu reconhecimento religioso por meio de um diálogo e trocas mais diretas com lideranças nigerianas (Yorubización). A análise de Rauhut revela, entretanto, que os discursos podem mudar de acordo com os interlocutores e com os contextos.


Para os objetivos do estudo, não importa, porém, se os discursos coincidem com as práticas ou se a santería se torna – objetivamente – “mais africana” ou não. O foco da pesquisa visa a investigar “quando, como e por quem a África e os iorubas são evocados para legitimar certas práticas” (187). Congruente com sua perspectiva teórica, a pesquisadora defende a ideia de que a busca pelas raízes e a construção sistemática de redes transnacionais e pontes para a África devem ser entendidas também como práticas empíricas, uma dimensão que – esta, uma crítica importante da autora – tem sido até agora ignorada pelos especialistas (197).


Rauhut não nega que as tendências de africanização disponham de um potencial capaz de dar relevo ao tema raça. No entanto, opta por não abordar a questão da cor e dos fenótipos em sua obra, o que deixa sem resposta questões interessantes como: até que ponto, por exemplo, a pureza ritualística é relacionada ou não – e por quem – à cor/raça dos sacerdotes? Será a africanidade/iorubanidade imaginada sempre incolor? Mesmo que o discurso nacionalista sobre a identidade mestiça possa ter “abrandado” a ideologia colonial da supremacia branca – algo que precisaria ser demonstrado –, para os não-cubanos que entram em contato com a santería (norte-americanos, europeus e nigerianos), a cor/raça negra constitui um importante marcador de diferença que, não raramente, também é acionado como critério de hierarquização.


Com base no vasto material empírico levantado, a autora volta-se, no fim do livro, para o debate teórico sobre sincretismo e segue, em plena sintonia com suas posições anteriores, as reflexões de Charles Stewart e Rosalind Shaw (1994). Numa perspectiva que concebe os discursos como ação social ao mesmo tempo em que abre mão de identificar fatores estruturantes em processos históricos e culturais, Rauhut sustenta que a noção de sincretismo precisa ser repensada. Assim, sincretismo, como categoria analítica, só fará sentido se o foco da análise for voltado para os interesses, falas e projetos dos adeptos religiosos, com o objetivo de estudarmos como estes agentes, em contextos concretos marcados por relações de poder, buscam ampliar ou defender suas fronteiras religiosas.

No último capítulo, Rauhut resume as teses principais do seu valioso trabalho, que não apenas reatualiza os estudos sobre a santería, mas os inova de duas maneiras: primeiro, ilumina as disputas e os discursos locais sobre a tradição no momento em que a santería conquista reconhecimento para além do contexto cubano. Segundo, ao revelar não somente ligações e trocas históricas, mas sobretudo as redes contemporâneas, Rauhut começa a preencher uma lacuna nos estudos sobre o Black Atlantic que tem negligenciado – como a autora critica – a perspectiva cubana em suas análises. Os resultados da pesquisa instigam a pesquisadora, inclusive, a apresentar uma sugestão final, de certa maneira provocativa: ao invés de olharmos para Cuba como uma parte da diáspora africana, poderíamos conceber a ilha caribenha como centro discursivo gerador de práticas iorubanas globais.


Recomenda-se a leitura do livro tanto a especialistas em religiosidade afro-diaspórica quanto a todos aqueles interessados em antropologia e história das populações que foram transplantadas da África para o Novo Mundo.


Bibliografia


Matory, James Lorand (1999): “Afro-Atlantic Culture: on the Live Dialogue between Africa and the Americas”, in: Appiah, Anthony; Gates, Henry Louis (eds.): Africana: the Encyclopedia of the African and African American Experience, New York: Basis Civitas Books, pp.93-104.


Palmié, Stephan (2008): “Introduction: on Predications of Africanity”, in: Palmié, Stephan (eds.): Africas in the Americas: Beyond the Search for Origins in the Study of Afro-Atlantic Religions. Leiden: Brill, pp. 1-37.


Stewart, Charles & Shaw, Rosalind (eds.) (1994): “Syncretism / Anti-Syncretism: the Politics of Religious Synthesis”, London: Routledge, pp. 7-35.