Santería und ihre Globalisierung in Kuba. Tradition und Innovation in einer afrokubanischen Religion Würzburg: Ergon Verlag, 340 S. |
Resenhado por Andreas Hofbauer
Universidade Estadual Paulista, UNESP
Baseando-se em amplas pesquisas bibliográficas e, acima de
tudo, num minucioso trabalho de campo realizado em Havana,
Claudia Rauhut propõe-se a analisar como, no momento em que a
santería se dispersa pelo mundo, as concepções a respeito dela
são disputadas e remodeladas pelos próprios adeptos, e como a
construção de redes transnacionais repercute sobre discursos e
práticas, ensejando negociações e conflitos.
Para isso, Rauhut segue, neste estudo instigante, uma proposta
metodológica inovadora: procura avaliar processos de
globalização a partir de uma perspectiva micro. A antropóloga
alemã mostra que processos de transnacionalização não são
obrigatoriamente resultado de processos migratórios. A
santería pode ser entendida como uma forma religiosa de
transnacionalização produzida localmente por líderes
religiosos que, geralmente, não têm a possibilidade de sair de
Cuba. Ao integrar estrangeiros através de obrigações
ritualísticas periódicas à sua família de culto, constroem
redes transnacionais. Por meio delas conquistam prestígio e
criam as condições que lhes permitem participar, com
autoridade, dos diálogos transnacionais sobre a religião dos
orixás.
Rauhut abre o livro com reflexões críticas sobre alguns
conceitos-chave (secularização, religião), a partir dos quais
busca construir as bases teóricas para sua abordagem. Ao
debater as categorias diáspora e transnacionalização, Rauhut
apresenta os trabalhos de dois antropólogos renomados que lhe
servem como inspiração teórica principal: tanto a tese de J.
Lorand Matory (1999) a respeito da gênese transnacional dos
iorubás quanto a noção de “política e poética de
africanização” de Stephan Palmié (2008) expressam posições
analíticas que incorporam as máximas do discursive turn e
buscam romper com noções como estrutura, valores e essências,
evocadas pelo conceito clássico de cultura.
Os capítulos históricos iniciam-se com uma análise dos
primeiros estudos sobre a santería, que revelam, entre outros,
que o pioneiro nestas pesquisas, Fernando Ortiz, não só
dialogava com cientistas que investigavam a “religiosidade
africana” no Brasil (Raimundo Nina Rodrigues, Roger Bastide),
mas também inspirava-se em importantes obras escritas por
africanos originários da atual Nigéria (Samuel Ajayi Crowther,
Rev. Samuel Johnson). Muito elucidativos são os capítulos 5 e
6, nos quais Rauhut mostra, com riqueza de detalhes, como a
revolução cubana lidou com as formas de religiosidade
associadas aos ex-escravos. Ao recuperar a noção de “folklore
afrocubano” cunhada por Ortiz, os líderes revolucionários
tendiam a tratar a santería como uma parte da cultura
(folclore) nacional. A mudança da política religiosa (abandono
do ateísmo científico em favor da defesa de princípios
laicos), no início da década de 1990, teria aberto as portas
aos processos de globalização e revitalização das tradições
religiosas afrocubanas.
Na sequência, Rauhut foca processos locais e globais que
fizeram com que surgisse um interesse transnacional pelo “lado
africano” de Cuba, que incentivaria também o turismo e traria
importantes divisas para o governo revolucionário. Com muita
habilidade, a autora analisa como, neste contexto marcado por
tensões entre forças propensas à mercantilização da santería e
o controle estatal sobre ela, emergem atores locais que
constroem redes transnacionais com o objetivo de disseminar
suas visões sobre a santería e de atrair “clientes” (muitos
deles, turistas). Acusações mútuas, desde falta de
autenticidade até interesses meramente econômicos na execução
dos rituais, marcam as disputas internas e transnacionais nas
quais a questão da pureza de tradição torna-se um recurso
discursivo fundamental.
Rauhut localiza, em meio à elite religiosa contemporânea, dois
polos discursivos sobre a tradição da santería que se
confrontam. O primeiro, disseminado pela Asociación Cultural
Yoruba de Cuba, entende que a santería tem suas raízes na ilha
caribenha e, devido às perdas culturais provocadas pelo avanço
do Islã e do cristianismo na África, pode ser considerada a
forma mais autêntica da tradição iorubana. Sendo esta
organização a única que possui reconhecimento estatal, ela
tende a atuar como um órgão regulador oficial que vincula a
defesa da santería à defesa da identidade nacional.
Já o polo da línea africana, corrente minoritária, combate,
com fervor, qualquer influência identificada com o
cristianismo e pode ser dividido em duas vertentes: a primeira
busca revitalizar tradições que remontam aos primórdios da
colonização cubana (Lúkúmízación); a segunda procura
fundamentar seu reconhecimento religioso por meio de um
diálogo e trocas mais diretas com lideranças nigerianas
(Yorubización). A análise de Rauhut revela, entretanto, que os
discursos podem mudar de acordo com os interlocutores e com os
contextos.
Para os objetivos do estudo, não importa, porém, se os
discursos coincidem com as práticas ou se a santería se torna
– objetivamente – “mais africana” ou não. O foco da pesquisa
visa a investigar “quando, como e por quem a África e os
iorubas são evocados para legitimar certas práticas” (187).
Congruente com sua perspectiva teórica, a pesquisadora defende
a ideia de que a busca pelas raízes e a construção sistemática
de redes transnacionais e pontes para a África devem ser
entendidas também como práticas empíricas, uma dimensão que –
esta, uma crítica importante da autora – tem sido até agora
ignorada pelos especialistas (197).
Rauhut não nega que as tendências de africanização disponham
de um potencial capaz de dar relevo ao tema raça. No entanto,
opta por não abordar a questão da cor e dos fenótipos em sua
obra, o que deixa sem resposta questões interessantes como:
até que ponto, por exemplo, a pureza ritualística é
relacionada ou não – e por quem – à cor/raça dos sacerdotes?
Será a africanidade/iorubanidade imaginada sempre incolor?
Mesmo que o discurso nacionalista sobre a identidade mestiça
possa ter “abrandado” a ideologia colonial da supremacia
branca – algo que precisaria ser demonstrado –, para os
não-cubanos que entram em contato com a santería
(norte-americanos, europeus e nigerianos), a cor/raça negra
constitui um importante marcador de diferença que, não
raramente, também é acionado como critério de hierarquização.
Com base no vasto material empírico levantado, a autora
volta-se, no fim do livro, para o debate teórico sobre
sincretismo e segue, em plena sintonia com suas posições
anteriores, as reflexões de Charles Stewart e Rosalind Shaw
(1994). Numa perspectiva que concebe os discursos como ação
social ao mesmo tempo em que abre mão de identificar fatores
estruturantes em processos históricos e culturais, Rauhut
sustenta que a noção de sincretismo precisa ser repensada.
Assim, sincretismo, como categoria analítica, só fará sentido
se o foco da análise for voltado para os interesses, falas e
projetos dos adeptos religiosos, com o objetivo de estudarmos
como estes agentes, em contextos concretos marcados por
relações de poder, buscam ampliar ou defender suas fronteiras
religiosas.
No último capítulo, Rauhut resume as teses principais do seu valioso trabalho, que não apenas reatualiza os estudos sobre a santería, mas os inova de duas maneiras: primeiro, ilumina as disputas e os discursos locais sobre a tradição no momento em que a santería conquista reconhecimento para além do contexto cubano. Segundo, ao revelar não somente ligações e trocas históricas, mas sobretudo as redes contemporâneas, Rauhut começa a preencher uma lacuna nos estudos sobre o Black Atlantic que tem negligenciado – como a autora critica – a perspectiva cubana em suas análises. Os resultados da pesquisa instigam a pesquisadora, inclusive, a apresentar uma sugestão final, de certa maneira provocativa: ao invés de olharmos para Cuba como uma parte da diáspora africana, poderíamos conceber a ilha caribenha como centro discursivo gerador de práticas iorubanas globais.
Recomenda-se a leitura do livro tanto a especialistas em
religiosidade afro-diaspórica quanto a todos aqueles
interessados em antropologia e história das populações que
foram transplantadas da África para o Novo Mundo.
Bibliografia
Matory, James Lorand (1999): “Afro-Atlantic Culture: on the
Live Dialogue between Africa and the Americas”, in: Appiah,
Anthony; Gates, Henry Louis (eds.): Africana: the Encyclopedia
of the African and African American Experience, New York:
Basis Civitas Books, pp.93-104.
Palmié, Stephan (2008): “Introduction: on Predications of
Africanity”, in: Palmié, Stephan (eds.): Africas in the
Americas: Beyond the Search for Origins in the Study of
Afro-Atlantic Religions. Leiden: Brill, pp. 1-37.
Stewart, Charles & Shaw, Rosalind (eds.) (1994):
“Syncretism / Anti-Syncretism: the Politics of Religious
Synthesis”, London: Routledge, pp. 7-35.