Editorial: Políticas, Sociedades e Culturas na América Central contemporânea |
Markus Hochmüller and Alexandra Ortiz Wallner
Como editores convidados de CROLAR, nós temos o prazer de apresentar o volume “Políticas, Sociedades e Culturas na América Central contemporânea”. Enquanto as outras edições de CROLAR foram focadas em campos temáticos como desigualdades ou resistências e movimentos sociais, a edição atual aplica uma visão interdisciplinar à região. Comparada com seus países vizinhos, México e Colômbia, a América Central é composta por países de territórios relativamente pequenos; não obstante, a região é altamente complexa e fragmentada, assim como multicultural, dinâmica e uma área simultaneamente conectada no mundo globalizado de hoje.
As sociedades e Estados do subcontinente centroamericano são histórica, política e culturalmente interligados. Para capturar a realidade sociopolítica contemporânea e os imaginários e identidades nacionais e transnacionais, devemos considerar as interdependências que dão forma à região desde a colonização. Por isso, é fundamental partir de uma perspectiva diacrônica que possibilite o comprometimento com qualquer que seja a reflexão crítica sobre a América Central, como uma unidade diversificada, decorrente especialmente do passado colonial e de desenvolvimentos subsequentes que continuaram transformando os cenários políticos da região (como as primeiras experiências de uma união falida, movimentos antiimperialistas e revolucionários, guerras civis, até os desenvolvimentos de democratização e sua conexão com o neoliberalismo, assim como com as comunidades transnacionais resultando em diversos exílios, migrações, desterritorializações e diasporas.
No entanto, até a presente data, a América Central continua a ser uma região pouco estudada e marginal nas ciências sociais e humanidades. Uma exceção a essa marginalidade pode ser traçada através dos debates acadêmicos interessados nas guerras civis passadas, discursos de memória, violência e fragmentação social. Sem negar os graves problemas de segurança da região, o istmo é mais do que o jardim de “sujeiras” do Tio Sam, está habituado à guerrilhas comunistas, gangues de jovens saqueadores ou traficantes de drogas corruptos. Por exemplo, as dinâmicas transnacionais que intrelaçaram e transformaram pessoas e sociedades centroamericanas - especialmente nos últimos 30 anos - e que são hoje paradigmáticas para uma configuração de mundo globalizado no e do hemisfério Sul.
Essa edição possui como objetivo mostrar a rica e diversa produção acadêmica advinda de, e sobre a América Central. Para tal fim, essa edição esta focada em resenhas de produções acadêmicas que lidam criticamente com realidades políticas, sociais e culturais na América Central, partindo de perspectivas disciplinares distintas como a antropologia, a economia, a história, as ciências políticas ou a sociologia.
Estudar a America Central nos permite um olhar mais aproximado de processos de capitalismo global em andamento e interesses geopolíticos, assim como de narrativas e imaginários de globalização e anticolonialismo que estão refletidos e condensados em histórias intrelaçadas da América Central (provavelmente, hoje, mais do que em qualquer outra região latinoamericana). Isso se torna evidente em resenhas de monografias que focam políticas transnacionais na América Central e as configurações políticas comuns à América Central moderna. A região representa um campo de batalha real mas também simbólico onde conflitos por (gênero) igualdade, justiça, inclusão, recursos naturais e convivência tomam espaço. Um desses campos de batalha é a cidade, como mostram as resenhas relativas ao volume dedicado aos espaços urbanos; outros campos de batalha são a memória da violência e conflitos e a reconstrução no pósguerra, como mostram as resenhas de livros que lidam com explicações sobre a memória e a visão antropológica de lideranças indígenas no pósguerra na Guatemala.
Uma ênfase especial na seção “Focus” foi dada a tópicos que transcendem contextos nacionais e ao invés disso, focam em dinâmicas transnacionais e suas complexas interrelações e interdependências a nível local e nacional. Esses desenvolvimentos transnacionais a nível local são especialmente representados em resenhas que focam os problemas de segurança (como as gangues centroamericanas ou maras e a privatização da segurança) ou questões econômicas e fiscais (como os regimes de taxação centroamericanos e as remessas de dinheiro de migrantes mandadas a seus países de origem).
As resenhas da seção “Intervenções” aproximam-se das oportunidades e limitações do jornalismo na América Central. Por um lado, uma nova e prometedora forma de jornalismo (investigativo) que cresce constante e rapidamente e atrai crescente atenção: a crónica; por outro lado, os problemas e perigos inerentes à aproximação jornalística da “Guerra contra a droga” mexicana e controamericana.
Nós dedicamos a seção “Clássicos revisitados” para a pessoa que, provavelmente, como nenhuma outra na segunda metade do século XX, pode ser chamada de um centroamericano genuíno: Dr. Edelberto Torres-Rivas. Com seus brilhantes estudos políticos, sociológicos e históricos, Torres-Rivas contribuiu não apenas para a compreensão, mas também para a formação do pensamento crítico centroamericano por si só. Três resenhas na já mencionada seção seguem seu legado partindo de distintas aproximações disciplinares e pontos de vista, enfatizando algumas de suas publicações mais importantes como o livro vencedor de prêmios Revoluciones sin cambios revolucionarios mas também oferecendo uma perspectiva crítica sobre algumas de suas posições e propostas teóricometodológicas.
Dada a importância geoestratégica do istmo como corredor de conexão natural, cultural e econômica entre o hemisfério Norte e Sul, o oceano Atlântico e o Pacífico, é indispensável assumir uma perspectiva transespacial que situa as histórias compartilhadas da região de forma global. Contra este pano de fundo, os dois livros resenhados na seção “Debates atuais” lidam com o tráfico transnacional de drogas e corrupção assim como a Guerra Fria na América Latina, cujas consequências podem ser estudadas em detalhe na América Central o que nos possibilita incluir a região numa configuração global e geopolítica.
Uma especial menção à nossa capa, que mostra uma linda peça da série intitulada “Mejen-Go 2004-2011” do renomado artista costariquenho Joaquín Rodríguez del Paso. Como parte de uma série de projeções em três dimensões que desenvolveu durante a primeira década do século XXI, ele apresenta o território da América Central no formato de uma mesa de futebol de botão. Porém, mais do que um campo de futebol normal, este é um labirinto assimétrico que evoca e joga com a real mas também simbólica condição de campo de batalha e disputada imagem no istmo. Luta, confronto e limitações mas também jogo, dinamismo, coletividade e sentimentos de pertencimento modelam história, pessoas e culturas do istmo. Nossos sinceros agradecimentos a Joaquín Rodríguez del Paso por sua permissão de utilização de imagem de uma de suas peças para a capa desta edição de CROLAR.
Esperamos ter atendido seu interesse em tão diversos aspectos tais como Políticas, Sociedades e Culturas na América Central contemporânea assim como lhe desejamos uma leitura inspirante.