Claudia Mandel Katz (2010)

Mapa del cuerpo femenino: una lectura deconstructiva de creadoras visuales en Costa Rica


San José: Editorial UCR, 239 p.

 

Resenhado por Kaciano Gadelha

Freie Universität Berlin


Mapa del cuerpo femenino é um livro que nos convida a pensar o feminino através da arte de mulheres criadoras visuais na Costa Rica sob a lente bastante singular do conceito de desconstrução, a partir da análise perspicaz da obra dessas mulheres artistas por Claudia Mandel Katz, historiadora, teórica de arte e fundadora do Museo de las Mujeres na Costa Rica. Trata-se de um livro para todos aqueles que se interessam pelo trabalho de mulheres artistas visuais na América Latina. Nesse livro, a autora faz-se às vezes de cartógrafa ao mapear esse(s) corpo(s) feminino(s) como experimentação textual, visual, produto estético que põe o feminino como eixo de articulação de identidades na resistência dessas mulheres às formas da dominação que objetificam seus corpos. O giro estético dessas criadoras sobre as quais fala a autora está, justamente, no exercício de uma desconstrução das maneiras hegemônicas de posicionar o corpo feminino como um discurso (o discurso da identidade e da representação?).

 

O corpo feminino não é pensado, nesse livro, de antemão como um dado, seja biológico ou natural, mas um complexo semiótico, um artefato, que intersecta desde as identidades de gênero em sua relação com a sexualidade até os valores sociais que perpassam a organização e o disciplinamento dos corpos. O livro se divide em cinco capítulos, começando com uma discussão teórica das referências que guiarão a análise da autora até a imersão na obra das artistas que servem a sua análise.

 

No primeiro capítulo, “Corpo feminino e desconstrução”, a autora intenta definir em que trama histórico-social o corpo feminino emerge não mais como um dado biológico. A autora define três posturas feministas acerca do corpo. A primeira delas estabelece o corpo como uma prisão da subjetividade feminina, uma limitação da mulher pelas suas funções biológicas (menstruação, gravidez, etc.). Uma segunda perspectiva, de cunho mais construtivista, aponta para um modelo no qual o caráter político da definição de gênero se sobrepõe ao corpo biológico, este último sendo uma base sobre a qual se erguem os significados culturais do gênero. Nesse grupo, a autora situa as feministas da diferença sexual como Juliet Mitchell e Julia Kristeva. No terceiro grupo, estariam as feministas da desconstrução, por exemplo, Judith Butler ou Gayatri Spivak, com uma perspectiva que afirma o corpo feminino como um artefato nas tramas discursivas, efeito de práticas de enunciação e sujeito às relações de poder. Nessa terceira perspectiva, a própria natureza biológica do corpo feminino é encarada como um discurso, uma interpelação e não uma tábula rasa sobre a qual o gênero seria impresso. Com essa terceira perspectiva, a autora segue a sua análise desconstrutivista do feminino na arte. A categoria de performatividade de gênero, formulada por Judith Butler, em Gender Trouble, por exemplo, poderia ser uma ferramenta mais apropriada para abordar os regimes de saber e poder que produzem os gêneros, mais além de uma perspectiva de poder pautada num modelo assimétrico como se dá através da ideia de “patriarcado”, que aparece na visão da autora.

 

No segundo capítulo, “O corpo feminino como suporte”, o corpo feminino é encarado como a matéria plástica para o trabalho de artistas desde a body art até a performance. Importante salientar a definição de performance que a autora traz, resgatando a dimensão de contestação das gramáticas corporais presentes em nossa sociedade através da intervenção performática. Destaco, nesse segundo capítulo, a análise da performance Para la superficie, da artista guatemalteca María Adela Díaz, que foca numa questão crucial para entender a relação do performativo com o enunciativo: a relação entre corpo e texto. Nessa performance, o visual em si já é um texto, quando a performer envia textos automáticos escritos em uma máquina de escrever dentro de um bueiro de um parque: o corpo feminino enclausurado embaixo do solo a enviar mensagens para a superfície é um signo visual de grande força na composição do mapa que aborda a relação do corpo feminino com o espaço público. Seria uma metáfora de um inconsciente sufocado? Um espaço público renegado ao feminino? Uma reedição da caverna platônica? Bem, vale a pena ler o texto de Claudia Mandel Katz para se deparar com todas essas provocações.

 

O terceiro e o quarto capítulos abordam duas artes em suas relações com o conceito de identidade: ”Fotografia e identidade” e ”Vídeo-arte e identidade”. Há toda uma discussão da fotografia valiosa nesse livro, no modo como recupera na história da arte a produção do corpo feminino como um corpo dado à visão por uma lente majoritariamente masculina. Importante ainda ler esse capítulo pensando como tal corpo feminino que é dado à visão se constitui em um objeto do desejo. Esse corpo visado (no duplo sentido da palavra) é um corpo atravessado de marcações, conotações sexuais e estéticas. Da teoria da fotografia em Barthes às considerações sobre o estado do espelho em Lacan, a autora mapeia o corpo feminino na intervenção fotográfica de artistas como Rocío Con, Rebeca Alpizar e Adela Marín, despertando no leitor ainda mais curiosidade sobre os trabalhos dessas mulheres. É da costarriquenha Adele Marín a fotografia da capa do livro de Claudia Mandel Katz, extraída da série Rituales. Nessa série, a artista fotografa seu corpo desnudo no qual escreve frases falando de sentimentos e coisas ditas a ela por homens. O corpo se torna, nessa intervenção, um mapa dos discursos normativos que precisam nomear este “inominável” corpo feminino, do qual a artista faz resistência. No quarto capítulo, as vídeo-artes de Luciá Madriz, Priscilla Monge e Karla Solano são exploradas como tessituras do corpo feminino que se contrapõem aos ditames da beleza, da separação entre o aceitável e o abjeto, das bordas e do trabalho manual alienado. Na análise da autora, encontra-se, nessas artistas, uma empreitada de autodefinição de um corpo que reencontra sua agência ao desconstruir imagens da feminilidade hegemônicas na cultura contemporânea. Segundo sua análise, o corpo feminino emerge como um produto material e simbólico na arte visual pela reapropriação do corpo por essas mulheres.

 

No quinto capítulo, ”Fragmentos e transparências”, vislumbro um problema que considero ser fundamental para todos aqueles que se lançam a pesquisar o universo do gênero em suas interfaces com o domínio estético: a questão da forma. E falar sobre as formas do corpo feminino implica questionar a fundo suas bordas, seus limites impostos e as possibilidades de transgressão, suas curvas e sua dobras feitas em transparências como nos trabalhos de Cecilia Paredes e Karla Solano, discutidos pela autora.

 

Mapa del cuerpo femenino é um “pensar com arte”, no qual se borram as fronteiras do estético, do político e do filosófico. O livro aspira a uma empreitada desconstrutivista embora não se encontre uma linha desconstrutivista em todo o livro, já que, muitas vezes, há uma insistência em categorias como “patriarcado”, “poder patriarcal”, “identidade”, arriscando uma polarização entre “dominação masculina versus corpo feminino dominado”. Contudo, não deixa de ser um convite interessante para pensar a arte além dos limites do construtivismo.